O PROBLEMA DA HABITAÇÃO
"Lutas fratricidas ensanguentaram o nosso solo, e ao fim o liberalismo triunfou. (...)
Foram-se os fidalgos e entraram os agiotas - disse Almeida Garret.
Depois, enriquecidos pelos jogos de bolsa, por negócios variadíssimos e complicadíssimos, tendo os juros como religião, os agiotas tornaram-se fidalgos, fizeram-se barões. (...)
E em Lisboa, onde a população começava agora a crescer, o prédio de rendimento apareceu como uma segura e cómoda maneira de fazer com que o dinheiro rendesse dinheiro. (...) Chamaram-lhes prédios de rendimento. De rendimento, reparem bem. (...)
Só à maneira de fazer com que o dinheiro assegurasse o direito de ser inútil, de viver sem canseiras nem preocupações. (...) Não se agricultaram mais campos nem se abriram mais oficinas. No entanto, que imensa exploração do dinheiro pelo dinheiro! Do dinheiro de uns pelo dinheiro de outros! Para que uma quinta parte dos exploradores enriqueça, é preciso que os outros quatro quintos se arruinem. É um jogo desenfreado. (...)
Desta maneira tem crescido a capital. Desta maneira visando apenas rendimentos e lucros se tem dado à população os alojamentos de que carece. (...)
Segundo o senso de 1936, existiam em Lisboa 41.796 pessoas vivendo em barracas clandestinas ou em furnas; 31.843 famílias, num total de 150.000 mil pessoas, vivendo em quartos ou em partes de casa alugada. (...)
Não será então, do mais elementar bom-senso, que este problema da habitação, com todas as suas indispensáveis ligações, comece por ser considerado como um dever, uma necessidade social, fora do âmbito do negócio, da exploração do dinheiro pelo dinheiro, e a sua solução seja entregue aos poderes públicos? (...)"
Keil do Amaral, in "O Problema da Habitação"