19/10/2019

COMUNICAÇÃO

COMUNICAÇÃO
Jornadas Técnicas, Rede Portuguesa de Municípios Saudáveis
Convento de S. Francisco, Coimbra



Fotografia - Câmara Municipal de Coimbra


A Reabilitação Urbana como paradigma para um Desenvolvimento Sustentável
TRANSFORMAÇÃO E PERMANÊNCIA

“Falar de cidade é falar de património, o lento processo de formação, de crescimento e de consolidação das cidades ao longo do tempo. Um tempo que vai ficando registado nos traços urbanos, nas formas dos quarteirões, das ruas, das avenidas, assinalando diferentes formas de habitar, pensar e construir. A cidade dinâmica, transformável ao sabor da economia urbana que a mantém viva, vai impondo os seus próprios limites à transformação.”
(Encontros com o património – Programa TSF em parceria com a Direção Geral de Património Cultural, de 19 de Maio de 2019)

Transformação, permanência e relações humanas, são palavras que podem determinar a urbanidade de um lugar.
Se por um lado Orlando Ribeiro dizia “Muitos concentram-se no que muda, eu apesar de tudo, concentro-me no que permanece”, por outro, nenhuma cidade que não aceite um permanente processo de transformação, pode sobreviver.
São as permanências que definem a identidade das cidades. E o problema da identidade não é só uma questão subjetiva, mas aquilo que define um território, uma cultura e a noção de um bem comum. É o que define se somos portugueses ou de outro país. É a identidade, a geografia e a cultura, o que diferencia uma cidade do Alentejo, Trás-os-Montes ou da Beira Litoral. E é normalmente a cultura hegemónica, a da transformação para uma economia associada ao turismo de grande escala, que contraria a relação estrutural de habitar e fazer o território como nosso, banalizando-o e retirando a sua essência da vida quotidiana das pessoas.
Se um património de grande valor urbanístico é património cultural, tem de haver uma legislação coerente para a sua transformação e manutenção e não algo que apenas proteja o negócio do turismo de massas ou cultural, cristalizando a sua aparência ou destruindo a sua essência (até construtiva). Quando queremos projetar algo como como património, estamos a falar de uma teoria de valor e essa teoria de valor projeta-se socialmente. E isso implica escolhas, com as quais não podemos perder o direito às nossas vivências coletivas.

Já não há Venezianos de classe média a viver em Veneza e o seu último cinema fechou há mais de dez anos. Um Lisboeta daqui a pouco tempo, não consegue viver na sua cidade. As pressões financeiras são o que mais banaliza a experiência urbana: pela degradação dos centros históricos, mas também pelo desfasamento na politica, de uma falta de perceção entre aquilo que as cidades são e que podem ser. Os políticos ainda encaram o desenvolvimento urbano como desenvolvimento urbanístico, no sentido clássico da reabilitação urbana (que é essencial), mas não é apenas isso. Desenvolvimento urbano, tal como reabilitação urbana, não é só construção, e deve assentar nos pilares do desenvolvimento sustentável e ser um fenómeno, acima de tudo social.

A revolução ecológica é uma decisão urgente que mexe também com economia e é nessa revolução ecológica e sustentável que a reabilitação faz todo o sentido para que possamos ter cidades saudáveis.
A Comunidade Europeia já assume que existem tópicos fundamentais para se fazer reabilitação urbana e da memória: a questão sociala questão democrática - o dever da transformação urbana ser partilhada por todos e a ecologia como grande questão cultural.

Segundo Alves Costa, o fator político terá sido e, provavelmente, continua a ser, o mais determinante na formação de uma identidade nacional. Porque de facto, Portugal não teve origem numa formação étnica, mas numa realidade político-administrativa, tal como as suas cidades. O Estado absorve uma grande diversidade cultural, paisagística e histórica, construindo o próprio fenómeno da nacionalidade e identidade.
“A paisagem e as cidades, a arquitetura, são valores identitários. Mesmo que construídas artificialmente, mesmo que não sendo a nossa essência, sabemos que essa identidade foi fator de coesão e até de sobrevivência. Daí que a sua defesa, a sua preservação ou a sua recuperação, transcendam o plano puramente cultural e se devam colocar, em primeiro lugar, no plano político e, só depois, no económico e estético.”
Assim, nesta dicotomia entre a noção de identidade (ideia de permanência) e transformação, não sabemos ainda como agir numa época em que percebemos a catástrofe urbana que o Movimento Moderno nos trouxe na frágil construção do espaço público, inóspito e afastando as pessoas da fruição coletiva.
Cabe então ao poder político e aos movimentos cívicos, recuperar esse espaço, que é de todos, convocando o passado e permitindo que o presente, como diz a Carta para o Desenvolvimento Sustentável, “não comprometa as gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.

O património é o maior dos recursos que as cidades têm. Determinado elemento que é património, foi a pensar em comunidade, afirmação e em algum sentido de permanência. O património reativado é uma boa mensagem, atividade e afirmação dos direitos fundamentais dos cidadãos.
A transformação rápida, permite uma recuperação de valores materiais, de património e de espaço público, que de outra forma, sem o turismo, sem os apoios europeus e sem o interesse público, não poderia existir. Mas uma cidade não pode ser um contínuo de hotéis, restaurantes e consumo efémero. Deve ser diversa e redescobrir a essência no seu lado de fruição de partilha.
Parafraseando João Seixas “É nessa dialética - mudança e permanência -, que temos de trabalhar no direito à cidade, à identidade, aos equipamentos, às oportunidades de empregos e aos espaços comuns.”
“Uma cidade, é um mar relacional, espaço territorial, morfologicamente circunscrito, com vínculos de ligações entre atividades humanas.”
Há cada vez mais casas e menos pessoas. A demografia está a decrescer. Há um parque imobiliário e edificado que resolve as necessidades para os próximos 30 anos. Não é suficiente salvar apenas as fachada dos edifícios, temos de salvar a urbanidade no que refere às relações humanas e direitos fundamentais para atingir alguns dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável. Toda esta dialética permite diálogos muito mais sensatos que a demolição, mas pelo contrário, através da reabilitação do espaço urbano.
As cidades têm futuro, se as pessoas que nelas habitam tiverem futuro. E esse futuro, depende do que pudermos fazer hoje, procurando que a cidade não se transforma em algo superficial em que a arquitetura se resume a uma mera “ideia” de passado, mas sim de camadas de memória e com capacidade de agregar e transformar. Temos de ter esperança no futuro, com a memoria fortalecida nas relações humanas e interrelacionais na cidade. E para isso, é essencial que a politica não aceite mensagens de produto ou de projetos simplistas e que a cidadania e os movimentos sociais sejam ativos e fortalecidos pelo próprio poder político.

Luisa Bebiano, 18 de Outubro de 2019


Fotomontagem da Rua Sá da Bandeira, Coimbra - Grupo Ephemeral, Workshop CASA, Darq, 2019
Praça de S. Marcos, Veneza (imagem retirada da Net)
Fotomontagem da Praça do Comércio, Coimbra - Grupo Ephemeral, Workshop CASA, Darq, 2019
Fotomontagem do Largo da Portagem, Coimbra - Grupo Ephemeral, Workshop CASA, Darq, 2019
Fotomontagem do Terreiro da Erva, Coimbra - Grupo Ephemeral, Workshop CASA, Darq, 2019